Por Marcos Aurélio dos Santos
Em nossa caminhada missionária pela comunidade uma coisa
se faz necessária e indispensável. Ouvir as pessoas. As histórias dos moradores
dizem muito sobre a realidade da comunidade onde eles vivem. Seus sofrimentos,
alegrias, frustrações e esperança por dias melhores. Falar pouco e debruçar os
ouvidos com atenção e amor para ouvir as pessoas é uma maneira eficaz de
aprendizado e nos ajuda a entender o contexto de nossa evangelização, e assim
assumir um compromisso com os que sofrem. Jesus sempre ouvia as pessoas.
Em uma manhã de Domingo na comunidade de Jardim
Progresso, região periférica do Bairro de Nossa Sra da Apresentação, na cidade
de Natal – RN, dediquei um pouco do meu tempo para ouvir Samuel, um sujeito
extrovertido, acolhedor e prestativo. Debaixo do alpendre, em assentos simples
e ouvindo o barulho do vento que balançava os galhos das arvores ao redor do
seu quintal, ele contou um pouco de sua história quando foi submetido ao
trabalho escravo como boia fria em uma usina de cana de açúcar no estado do
Pernambuco. Para ele, foi o tempo de maior sofrimento de toda a sua vida.
Aproximadamente por volta dos meados do ano de 1994
(Samuel não tem a data exata), com promessa de bom salário, ele sai de sua
pequena comunidade chamada Vila Flor, na região Agreste do Rio Grande do Norte
para experimentar, segundo ele, os piores dias de sua vida. O corte de cana na
usina Trapiche situada em mata fechada nas proximidades da cidade de Sirinhaém –
PE. Ônibus levaram aproximadamente 200 homens para trabalhar no corte da cana.
Ao chegar no acampamento as condições de trabalho eram
indignas e deploráveis. Não havia banheiros, o banho e outras necessidades de
higiene pessoal eram feitas no meio da mata, à beira do rio sob o perigo de
animas ferozes. O lugar de acolhimento era um galpão com armadores onde os
trabalhadores dormiam em redes. Não havia fogão, toda comida era cozinhada no
fogo à lenha. Pela manhã preparavam a boia para comer durante o dia. Quarenta,
(água, fubá de milho e sal), com mortadela. À noite comiam o que chamavam de
reforçado.Feijão, farinha e carne seca. Uma alimentação pobre de nutrientes,
fibras e vitaminas, principalmente para quem passava o dia nos canaviais ao sol
escaldante da região. Não havia fiscalização para o controle da alimentação e
hospedagem dos empregados, aliás, não havia nenhuma. Um ambiente típico de
trabalho escravo.
O ambiente no local de trabalho também demostrava sinais
claros de trabalho escravo. Não lhes deram luvas, chapéu nem botas e caneleiras.
Acidentes com corte de facão nas pernas eram frequentes, sem falar na sujeição
a doenças como câncer de pele, desidratação doenças crônicas e outras. A cana
era plantada em terreno montanhoso, onde dificultava bastante o acesso e
manuseio das canas cortadas que deveriam ser transportadas para os caminhões. O
sofrimento maior em meio ao grande canavial era o calor agonizante em meio a
palha da cana e a fumaça das queimadas.
O trabalho escravo se concretizou na hora do mísero
pagamento pelo exaustivo e duro serviço. Com os descontos da alimentação, do
pagamento do cozinheiro e outros, quase nada sobrou para os trabalhadores.
Atualizando para a moeda de hoje, os pobres trabalhadores receberam apenas uma
diária média de $5.30. (Cinco reais e trinta centavos).
Aos quinze dias de trabalho escravo, em péssimas
condições de alimentação e abrigo, sem segurança no ambiente de trabalho e sem
quase nenhum dinheiro para enviar para suas famílias, os funcionários que
vieram de Vila Flor decidiram voltar para suas casas. Houve resistência.
Queriam impedi-los de voltar sob tom de ameaças. Mas os trabalhadores falaram
em denunciar ao ministério do trabalho, então cederam e conseguiram transporte
para trazê-los de volta. Uma experiência triste que marcou profundamente a vida
não só de Samuel, mas de muitos que foram em busca de melhores condições de
vida pois na vila onde moravam não havia emprego.
Hoje Samuel trabalha como Zelador em um edifício na Zona
Sul de Natal, e com muito esforço e dedicação ao trabalho tem sua carteira
assinada e seus direitos pagos em dia pela empresa que o contratou.
A impressionante história de Samuel, como a de muitos
moradores da comunidade onde estamos nos faz refletir sobre o compromisso que o
cristão deve ter com a justiça aos menos favorecidos. Nestes dias de tempos
sombrios na política brasileira, os trabalhadores estão sobre fortes ameaças de
perda de seus direitos conquistados. As reformas no ministério do trabalho e na
previdência social do atual governo ferem gravemente o estado democrático de
direito. Trabalhar mais com baixos salários e contribuir com mais tempo de
aposentadoria. Uma reforma para atender o sistema neoliberal que vê o
trabalhador não como individuo digno de direitos, mas como instrumento de
produção para o enriquecimento e acumulo de capital dos poderosos. São reformas
para atender aos anseios da elite brasileira e ao mercado capitalista, que
longe de ter um espírito solidário, tem como lema: “Trabalhe, Trabalhe e
Trabalhe, e serás próspero”. Mais produção mais lucros para os senhores do
poder econômico, o que gera mais pobreza.
Com essas reformas repletas de maldades é preciso pensar
no futuro de trabalhadores e aposentados pobres que sobrevivem com salário mínimo.
Nos que estão preste a se aposentar mais terão que esperar mais cinco anos para
receber o pequeno salário que mal dá para se alimentar, é preciso pensar na situação
de famílias pobres da periferia com mais de seis dependentes com trabalhador
assalariado, é preciso pensar no quanto as grandes indústrias, os senhores do
agronegócio, as multinacionais e os bancos irão lucrar com estas temerosas
reformas que estão por vir. É preciso pensar no pobre, na viúva, nos velhos
doentes, nas crianças em situação de risco que vivem com renda mínima. É
preciso pensar e agir, como cristão chamado para promover a justiça de Deus
aqui e agora. Que as palavres do profeta Amós sejam ouvidas e praticadas.
Profecia, denúncia, subversão e resistência. Amém.
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