segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A Profecia e o Direito dos Trabalhadores Pobres

Por Marcos Aurélio dos Santos 

Em nossa caminhada missionária pela comunidade uma coisa se faz necessária e indispensável. Ouvir as pessoas. As histórias dos moradores dizem muito sobre a realidade da comunidade onde eles vivem. Seus sofrimentos, alegrias, frustrações e esperança por dias melhores. Falar pouco e debruçar os ouvidos com atenção e amor para ouvir as pessoas é uma maneira eficaz de aprendizado e nos ajuda a entender o contexto de nossa evangelização, e assim assumir um compromisso com os que sofrem. Jesus sempre ouvia as pessoas.

Em uma manhã de Domingo na comunidade de Jardim Progresso, região periférica do Bairro de Nossa Sra da Apresentação, na cidade de Natal – RN, dediquei um pouco do meu tempo para ouvir Samuel, um sujeito extrovertido, acolhedor e prestativo. Debaixo do alpendre, em assentos simples e ouvindo o barulho do vento que balançava os galhos das arvores ao redor do seu quintal, ele contou um pouco de sua história quando foi submetido ao trabalho escravo como boia fria em uma usina de cana de açúcar no estado do Pernambuco. Para ele, foi o tempo de maior sofrimento de toda a sua vida.

Aproximadamente por volta dos meados do ano de 1994 (Samuel não tem a data exata), com promessa de bom salário, ele sai de sua pequena comunidade chamada Vila Flor, na região Agreste do Rio Grande do Norte para experimentar, segundo ele, os piores dias de sua vida. O corte de cana na usina Trapiche situada em mata fechada nas proximidades da cidade de Sirinhaém – PE. Ônibus levaram aproximadamente 200 homens para trabalhar no corte da cana.

Ao chegar no acampamento as condições de trabalho eram indignas e deploráveis. Não havia banheiros, o banho e outras necessidades de higiene pessoal eram feitas no meio da mata, à beira do rio sob o perigo de animas ferozes. O lugar de acolhimento era um galpão com armadores onde os trabalhadores dormiam em redes. Não havia fogão, toda comida era cozinhada no fogo à lenha. Pela manhã preparavam a boia para comer durante o dia. Quarenta, (água, fubá de milho e sal), com mortadela. À noite comiam o que chamavam de reforçado.Feijão, farinha e carne seca. Uma alimentação pobre de nutrientes, fibras e vitaminas, principalmente para quem passava o dia nos canaviais ao sol escaldante da região. Não havia fiscalização para o controle da alimentação e hospedagem dos empregados, aliás, não havia nenhuma. Um ambiente típico de trabalho escravo.

O ambiente no local de trabalho também demostrava sinais claros de trabalho escravo. Não lhes deram luvas, chapéu nem botas e caneleiras. Acidentes com corte de facão nas pernas eram frequentes, sem falar na sujeição a doenças como câncer de pele, desidratação doenças crônicas e outras. A cana era plantada em terreno montanhoso, onde dificultava bastante o acesso e manuseio das canas cortadas que deveriam ser transportadas para os caminhões. O sofrimento maior em meio ao grande canavial era o calor agonizante em meio a palha da cana e a fumaça das queimadas.  

O trabalho escravo se concretizou na hora do mísero pagamento pelo exaustivo e duro serviço. Com os descontos da alimentação, do pagamento do cozinheiro e outros, quase nada sobrou para os trabalhadores. Atualizando para a moeda de hoje, os pobres trabalhadores receberam apenas uma diária média de $5.30. (Cinco reais e trinta centavos).

Aos quinze dias de trabalho escravo, em péssimas condições de alimentação e abrigo, sem segurança no ambiente de trabalho e sem quase nenhum dinheiro para enviar para suas famílias, os funcionários que vieram de Vila Flor decidiram voltar para suas casas. Houve resistência. Queriam impedi-los de voltar sob tom de ameaças. Mas os trabalhadores falaram em denunciar ao ministério do trabalho, então cederam e conseguiram transporte para trazê-los de volta. Uma experiência triste que marcou profundamente a vida não só de Samuel, mas de muitos que foram em busca de melhores condições de vida pois na vila onde moravam não havia emprego.

Hoje Samuel trabalha como Zelador em um edifício na Zona Sul de Natal, e com muito esforço e dedicação ao trabalho tem sua carteira assinada e seus direitos pagos em dia pela empresa que o contratou.  

A impressionante história de Samuel, como a de muitos moradores da comunidade onde estamos nos faz refletir sobre o compromisso que o cristão deve ter com a justiça aos menos favorecidos. Nestes dias de tempos sombrios na política brasileira, os trabalhadores estão sobre fortes ameaças de perda de seus direitos conquistados. As reformas no ministério do trabalho e na previdência social do atual governo ferem gravemente o estado democrático de direito. Trabalhar mais com baixos salários e contribuir com mais tempo de aposentadoria. Uma reforma para atender o sistema neoliberal que vê o trabalhador não como individuo digno de direitos, mas como instrumento de produção para o enriquecimento e acumulo de capital dos poderosos. São reformas para atender aos anseios da elite brasileira e ao mercado capitalista, que longe de ter um espírito solidário, tem como lema: “Trabalhe, Trabalhe e Trabalhe, e serás próspero”. Mais produção mais lucros para os senhores do poder econômico, o que gera mais pobreza.

Com essas reformas repletas de maldades é preciso pensar no futuro de trabalhadores e aposentados pobres que sobrevivem com salário mínimo. Nos que estão preste a se aposentar mais terão que esperar mais cinco anos para receber o pequeno salário que mal dá para se alimentar, é preciso pensar na situação de famílias pobres da periferia com mais de seis dependentes com trabalhador assalariado, é preciso pensar no quanto as grandes indústrias, os senhores do agronegócio, as multinacionais e os bancos irão lucrar com estas temerosas reformas que estão por vir. É preciso pensar no pobre, na viúva, nos velhos doentes, nas crianças em situação de risco que vivem com renda mínima. É preciso pensar e agir, como cristão chamado para promover a justiça de Deus aqui e agora. Que as palavres do profeta Amós sejam ouvidas e praticadas. Profecia, denúncia, subversão e resistência. Amém.       
        
   






  

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