domingo, 4 de setembro de 2016

A Redução da Maioridade Penal

Por José Marcos Silva 

No último dia 31 de março a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados, declarou a constitucionalidade da Proposta de Emenda Constitucional 171/93, que reduz a maioridade penal de dezoito para dezesseis anos. Desde então, a população tem se posicionado de duas maneiras antagônicas e intrigantes: por um lado, mais de 80% da população é favorável à redução; por outro, centenas de entidades da sociedade têm se posicionado contrárias. 

Esse fenômeno aponta para uma contradição, pois as entidades da sociedade, como movimentos e ONGs, representam os interesses dela.
Na outra mão da via, a grande mídia, sobretudo a TV aberta, teima em dar ênfase a crimes cometidos por adolescentes, quando dados oficiais (da Unicef) mostram que menos de 1% dos crimes que atentam contra a vida, no Brasil, são cometidos por menores. Diante desse impasse, formulo algumas considerações:

1ª - Contra o argumento de que o adolescente precisa ser punido pelos crimes cometidos, é válido lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê penalidades já a partir dos doze anos, em várias modalidades de punição.

2ª - Para o argumento que o menor é protagonista de grande parte da criminalidade no Brasil, lembro a informação da UNICEF, trazida acima, e ainda o fato de que, entre os anos de 2006 a 2012, mais de 33 mil adolescentes foram assassinados, fazendo do Brasil o segundo país que mais matou jovens no mundo nesse período. Em pesquisa mais recente, da própria UNICEF, de 190 países pesquisados, o Brasil ocupa o 6º lugar em assassinatos de crianças e adolescentes. Isto mostra que eles são mais vítimas do que vilões.

3ª – Encarcerar o menor no sistema prisional brasileiro não resolveria o problema, pelo contrário, aumentaria a criminalidade, senão, vejamos: menos de 20% dos menores que cumprem medidas socioeducativas voltam a cometer atos infracionais, enquanto que no sistema carcerário brasileiro esse número aumenta para mais de 70%, segundo o Instituto Avante Brasil. Além disso, todos nós sabemos que as penitenciárias brasileiras, mais do que ambientes de cumprimento de pena, são “escolas do crime”, principalmente pelo teor desumanizante de sua estrutura física e psicológica. Com maior probabilidade, um menor sairá desse ambiente “doutor” em delinquência,

4ª – Índice de criminalidade se reduz com condições humanas de vida. Quem convive nas favelas desse país sabe bem que nossas crianças e adolescentes são vítimas de um sistema que não provê os direitos mínimos necessários para uma vida com dignidade. Reduzir a criminalidade se consegue quando se provê escola de qualidade, moradia decente, trabalho digno para o trabalhador, e os demais direitos constitucionais. A solução que não passar por esse caminho, será como “tapar o sol com uma peneira”.

5ª – A grande maioria dos países mantém a maioridade penal em dezoito anos, além do que, países que reduziram a maioridade penal tendem a voltar atrás, como é o caso da Alemanha, Japão e França. Antes de punir o adolescente, o Estado deve fazer a sua parte. Aposto caro que, se isso acontecesse, índices de criminalidade seriam reduzidos.

6ª – Temos uma constituição que se posiciona quanto ao tema (Art. 228) e um ECA moderno, que estão alinhados com padrões internacionais e com a recomendação da ONU quanto ao cuidado com crianças e adolescentes. O problema da criminalidade não está na lei, mas sim, no descumprimento desta.

7ª – Dizer que a lei brasileira acoberta o menor infrator e que, por isso, o crime organizado se utiliza do menor, bem como usar esse argumento para se alterar a lei, é apenas mudar o foco do problema, pois se o criminoso se utiliza de adolescentes de dezesseis anos como escudo para seus crimes, com a diminuição da maioridade penal, utilizar-se-á de adolescentes de quinze, catorze... Ao seguirmos essa lógica, teremos que prender nossas crianças vulneráveis.

Concluo com um texto breve do livro de Isaías (10.1, 2) que diz: 

“Ai dos que decretam leis injustas, e dos escrivães que escrevem perversidades; para privarem da justiça os necessitados, e arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo; para despojarem as viúvas e roubarem os órfãos”.


Por estar convicto de que punir sem dar condições para que o transgressor faça novas escolhas é também um ato criminoso, sou contra a redução da maioridade penal.


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