Por Clodovis M. Boff
A) O que é fé
1.
É uma atitude totalizante. É uma
opção de vida que tende a englobar toda a existência, a inspirar todos os atos
de alguém. Não é um ato entre outros, mas uma atitude de fundo que orienta
todos os atos. É um estilo de vida, um modo de ser. Para o cristão, crer é
viver na dimensão do Reino; é seguir Cristo. Ora, isso implica uma decisão
radical e total (cf. Lc 14,26.33; Mt 13,44-45; etc.). reduzir a fé a um setor
da vida, ao culto, por ex.. é aleijá-la. A fé busca a totalidade, como
tendência, como proposta. Por aí já se pode ver como a fé se abra para a
política, envolvendo-a e orientando-a.
2. Registro ético da fé. A fé se manifesta externamente de muitos
modos. Possui muitas expressões ou registros. Temos dois registros principais
da fé: o registro religioso, pelo
qual a fé aparece como culto, oração etc.; e o registro ético, pelo qual a fé aparece como práxis, como vida concreta.
Muitas vezes se confunde a fé apenas com religião. A fé é mais que isso:
é também e sobretudo prática. Essa é a forma mais importante da fé (cf. Mt
7,21-33; 9,13; 12,7; 21,28-31; Mc 12,33; 1Jo 3,17; Gl 5,6; Tg 2,14; etc.).
contudo, há a tentação de a religião se fechar em sim mesma (cf. o farisaísmo).
3. Dimensão ético-política da fé. Quando se fala na fé como práxis, se
entende a fé como compromisso social, como “caridade política” (Pio XI, em
18/12/27). Essa é a forma epocal da fé: a que se impõe em nossa época. Por quê?
Porque nos grandes problemas que sentimos hoje na AL são os problemas sociais,
cuja solução passa pela apolítica, como o viu bem Puebla (nº 28, 90 etc.).
B) O que é política
1.
Poder frente à ordem social. Política se refere sempre à questão do
poder e ao poder sobre a ordem de uma sociedade. Política é, pois, toda
atividade que influencia mo processo social.
E algo de objetivo, que se faz querendo
ou não. Não existe realmente apolitismo. Ademais, política não é só no sentido
de mudar a ordem social, mas também de conservá-la ou reforçá-la.
2.
Dois níveis de política: como participação na vida social, no
nível da “sociedade civil”; e como luta pelo poder do Estado, seja para
conquistá-lo (partidos, movimentos revolucionários, etc.), seja para exercê-lo
(governo) – e esse é o nível da “sociedade política”.
3.
Conflito: pano
de fundo da política. Existe política como interferência na organização
social justamente porque a sociedade não é harmônica, porque há problemas,
conflitos. Por isso mesmo, política é sempre uma ação árdua, uma luta, podendo
chegar à revolução.
Há muitos tipos de conflito social: uns permanentes e,
outros transitórios; uns antagônicos e outros reconciliáveis.
4.
Política moderna. Distingue-se da antiga (antes da
revolução Francesa) por três tendências principais:
- tendência à mudança (e não mais à
conservação da ordem);
-
tendência à participação das massas (e não mais reservada apenas ao príncipe);
-
tendência ao uso de mediações (e não mais à ação espontânea e imediata).
5.
Totalitarismo político. “Tudo é política, mas política não é
tudo” (E. Mounier). De fato, a vida humana tem outras dimensões: psicológica,
afetiva, estética, mística, lúdica, etc. Por isso, a política deve permanecer
aberta a estas outras dimensões da vida, especialmente à transcendência (aberta
para cima).
Contudo, o fato é que a política, como a
religião, tende a ser fechar em si mesma, a absorver e submeter a si tudo o
mais. Então ela se torna um absoluto, melhor, um ídolo ou fetiche. Na é
certamente a tentação do povo, mas dos políticos de profissão. De totalizante
torna-se totalitária.
Perguntas
para discutir em grupo
1.
Diz
o Concílio Vaticano II: “O divórcio entre fé e vida quotidiana é um dos mais
graves erros do nosso tempo” (GS 43,1).
-
Quais são as raízes desse divórcio?
-
Quais são seis frutos?
-
Como superar esse divórcio?
2.
Muita
gente do poço acha a política uma “coisa suja?”.
- Donde vem esta idéia?
- Como ajudar o povo a superá-la?
POLÍTICA DA BÍBLIA
Tomamos aqui só os grandes livros e os
grandes temas bíblicos que fundamentam o compromisso político do cristão. É
preciso situar sempre esse compromisso político dentro do horizonte maior da fé
bíblica, para não reduzir a Bíblia a um simples “livro de política”. Ela é
também isso, mas por ser antes um “livro religiosos” (especial).
1.
Êxodo. Revela Deus como o Deus dos oprimidos, que a
sua libertação concreta. O Deus bíblico, “Deus vivo e verdadeiro”, é sempre o
Libertador (Yahweh, Yeoshua). Optar
pelos oprimidos eventualmente contra os opressores – tal é a “política de Deus”
na Bíblia.
A libertação divina na história é um
lado “libertação-de” (Egito) e outro “libertação-para” (a Terra Prometida, onde
se construirá a nova sociedade: Josué,
Juízes, e onde o povo servirá o Senhor: Deuteronômio)
2.
Profetas. Anunciam a Deus como o DEus da Justiça e
denunciam uma “religião-ópio”, separada da vida, com seus ídolos (cf. Am 5,21-27;
Is 58; Os 6; Mq 6,5-8); Jr 7; Zc 7; etc.).
Preanunciaram um mundo novo, onde
reinará a justiça, mais ainda, Deus mesmo (Is 11; 60; 65, Jr 31; Ab 21; Zc 8 e
9; etc.).
A “mensagem política” dos Profetas parte
sempre “mensagem religiosa” mais ampla: a Aliança de Deus com seu Povo,
expressa nas “duas tabuas” da Lei.
3.
Evangelhos. Jesus anuncia o Reino como a “revolução
absoluta”, a “libertação plena” para o mundo. O Reino inclui uma dimensão
pessoal (fé, conversão), uma dimensão final (ressurreição e vida eterna), mas
também uma dimensão social (libertação das doenças, da fome etc.) (cf. Lc 4,
1ss; 6, 20-26; Mt 25,41ss, etc.).
Quanto à sua prática, Jesus:
- liberta o povo dos males concretos (sinais ou milagres)
(cf. Lc 7,21-23);
- toma a defesa dos pequenos contra os grandes (ex. Lc 13,10-17);
- é crucificado
em conseqüência de seu compromisso libertador da vontade do Pai (Mc 15,10;
Jo 11,4).
Notar que, se por um lado, a dimensão
política da mensagem, vida e, morte de Jesus é apenas uma dimensão, implicada
em sua missão profética e salvífica maior, por outro lado trata-se aí de uma
dimensão integrante, altamente significativa para nós hoje (epocal).
4.
Dos
outros livros do NT: Atos, Paulo, Apocalipse, etc.,
tira-se o seguinte ensinamento profundo: que o compromisso social do cristão
não certamente o coração do cristianismo (por isso não deve se absolutizado,
mas mantido abeto à Palavra), mas está intimamente ligado ao “núcleo” da fé
cristã, isto é:
- à verdade
da é “Cristo é o Senhor” (1Cor 12,3): Cristo deve ser Senhor também no
espaço político;
- ao preceito
da caridade (Mt 22,34-40): e desta, a política é uma “forma exigente”
(Paulo VI, AO 46) e necessária.
Conclusão: A Bíblia revela a vocação
integral do homem, mas mostra também que esta implica uma responsabilidade
política, a ser vivida de acordo com o Plano total de Deus.
Perguntas
para discutir em grupo
1.
“A
Bíblia tem nariz de cera: pode-se torcê-la para qualquer lado” – disse um
teólogo da Idade Média, Alano de Lille. Que se deve fazer, que cuidados tomar
para não cair num tipo de leitura ideológica ou manipulada da Bíblia?
2.
Jesus
pessoalmente recusou a política profissional ou o “messianismo temporal” (ser o
rei do povo judeu). O que isso significa para nós? E o que não significa?
COMO SE RELACIONAM FÉ E POLÍTICA
A relação se situa em diferentes níveis,
que aqui vamos especificar.
1.
Fé e Política em geral (nível existencial).
Fé e Política são duas coisas ou
grandezas lada a lado. A Política é antes uma dimensão interna à fé – dimensão
constitutiva. É a própria fé feita práxis histórica, fé enquanto realizada na
social.
A Fé inclui a Política, mas também a
supera. Essa é a dialética viva que deve sempre ser mantida. O perigo é reduzir
a Fé à Política (tentação dos engajados) ou reduzi-la à vida provada (tentação
burguesa).
Agora, a “passagem” da Fé à Política (melhor:
encarnação da Fé na Política) não é direta. Por exemplo, o Evangelho não diz
diretamente quanto deve ser o salário,
em que partido votar etc. Menos ainda diz como resolver problemas. Ele dá
contudo orientações para discernis e inspiração para agir. Para atuar o
Evangelho na política concreta entram em ação as mediações, umas teóricas (para
o entendimento concreto) e outras práticas (para a ação concreta). São as
análises e as organizações respectivamente. Sem mediações a fé permanece
abstrata ou cega, ingênua, acrítica.
Aqui entra a questão do marxismo como
eventual mediação teórica (ferramenta do entendimento) e a questão do partido e
problemas conexos (violência, socialismo, etc.). a Teologia da Libertação
procura pensar a Fé até esse nível político bem concreto.
2.
CEBs e Partido ou campo eclesial e campo
político (nível das
práticas).
Trata-se aqui de dois campos autônomos e
ao mesmo tempo inter-relacionados:
-
autônomos, pois cada um tem sua
natureza (religiosa/secular), seus fins (fé/poder) e seus próprios
(evangelização/formação política) (cf. GS 36);
-
inter-relacionados, pois os dois
campos estão a serviço do homem e do povo em geral. Estão abertos um ao outro e
se enriquecem mutuamente: a comunidade eclesial prepara e estimula à política,
e a organização política oferece o meio para materializar a fé na história.
Donde o fecundo vaivém entre os dois
espaços. Na realidade concreta, as CEBs têm muitas vezes uma função supletiva:
são obrigadas a fazer, em todo ou em parte, o que competiria às outras
organizações sociais.
3.
Igreja e Estado ou Esfera religiosa e
Esfera política (nível
das instituições)
São duas esferas independentes, cada uma
soberana em sua área (“separadas” em termos jurídicos), mas respeitando-se em
suas competências específicas e colaborando quando é para benefício do povo
(cf. GS 76,3).
Importante aqui é ter clara a posição do
Estado frente à Religião. Há três posições concretas:
1º. Clerical
ou de cristandade: o Estado tem e impõe uma religião;
2º. Laicista
ou secularista: o Estado se opõe a toda religião, tolerando-a no máximo;
3º. Laica
ou aconfessional: o Estado não se envolve com a questão religiosa. Ela lhe
é indiferente. Ele é neutro. Limita-se apenas a garantir socialmente a
liberdade de consciência e religião para todos.
Mas a “sã laicidade do Estado” (Pio XII)
não exigiria mais: uma abertura positiva, um respeito ativo para com o fato
religioso?
Perguntas
para discutir em grupo:
1.
“Se
cada um se converter, toda a sociedade se transformará”. Que acha dessa
afirmação? Justifique sua opinião?
2.
É
possível haver uma política verdadeira sem uma dimensão religiosa? Explique em
que sentido.
MISSÃO
DA IGREJA NO CAMPO POLÍTICO
Nessa questão é útil distinguir
Igreja como tal (hierarquia) e os cristãos (membros do Povo de Deus).
A)
Igreja como tal representada pela
Hierarquia
- As
posições equivocadas são conhecidas:
- apolitismo:
impossível, porque a Igreja é apartidária, mas não apolítica;
- clericalismo:
a Igreja não tem competência técnica, mas só ética no campo político.
A
posição correta é precisamente pastoral ou evangelizadora. Essa pode-se
especificar assim:
a) “evangelizar o político” (Puebla
515), educando as consciências, orientando-as, denunciando profeticamente as
injustiças, anunciando ima sociedade nova, etc. nesse sentido é também dever da
Igreja preparar militantes políticos e acompanhá-los pastoralmente;
b) celebrar as esperanças e lutas do
povo;
c) solidarizar-se com as lutas do povo
oprimido através de apoio público, presença física, etc.
- Na AL,
de modo mais concreto e urgente, é missão da Igreja:
- salvar a Cida mínima contra a fome e a
violência estabelecida;
- proteger os indefesos contra os violadores
dos direitos elementares;
- consolar os oprimidos frente às mortes
freqüentes e dramas sociais;
- juntar o povo disperso, para que se
organize;
- alimentar a esperança no futuro contra
a opressão duradoura.
B) Quanto
aos cristãos, membros do Povo de Deus
1. Enquanto são também cidadãos, os
cristãos devem entrar a pleno direito na política direta.
Para sua opção política concreta, o
cristão não recebe da fé ou da Igreja institucional ordens. Nada, pois, de
“político cristã”, mas sim “política laica” dos cristãos, política inspirada na
mensagem.
Por isso mesmo, o Evangelho, e não dá
ordens, oferece critérios de orientação política. Entre esses, temos:
- a perspectiva da libertação: optar por
partidos que busquem a transformação social e a criação de uma nova sociedade;
- a opção pelos pobres: optar por
organizações que assumem realmente a causa dos pobres;
- os métodos participativos: entrar em
movimentos que dão espaço ap povo, que adotam processos “de baixo para cima”,
etc.
Frente a tais critérios, nem todas as
organizações de luta se equivalem para o cristão.
2.
Níveis
de participação política direta:
a)
de
apoio (opinião, voto, etc.);
b)
de
militância.
No nível da militância, há necessidade
de uma pastoral específica, que ajude a formar os militantes cristãos para a
competência política e para uma espiritualidade adequada (cf. João Paulo II,
aos bispos do Brasil, 0/04/86).
E uma exigência para os militantes
continuarem enraizados em sua base eclesial (e popular) e pare terem eficácia
política maior.
Além dessa organização estritamente
pastoral, pode, os cristão ter uma articulação também política?
Perguntas
para serem debatidas em grupo:
1.
Discutir
a posição dos cristãos frente ao Poder do Estado:
- Como pe a posição atual dos cristãos?
Como vêem a questão do poder?
- Como deve ser? Podem os cristãos lutar
pelo poder?
- Como há de ser tal poder?
2.
Discutir
a questão dos cristãos que militam no Movimento Popular (sindicatos,
associações e partidos):
- Deve a Igreja hierárquica ajudá-los?
Como?
- Deve os militantes buscar uma posição
política unitária? Em que termos?
- Qual há de ser a relação dos
militantes com as Comunidades eclesiais?
Fonte: www.cefep.org.br/documentos/.../politicaevangelhodsi/Fe%20e%20Politica.doc
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